CONSCIÊNCIA NEGRA:
ARTE E LUTA NA VOZ DA PERIFERIA
Estudante Geografia UFF
O rap e o hip hop originaram-se da Jamaica concomitante
com o surgimento dos sistemas de som, que serviam pra animar os bailes nos
guetos, contudo, esses mesmos sistemas serviam nos bailes para se denunciar as
condições em que se encontravam os guetos, criando um vinculo político na
cultura do rap. No Brasil vemos essa vinculação política nascer nas periferias
brasileiras na década de 80, com o apodrecimento da estrutura do regime militar
e com o nascimento da CUT, do PT e do MST, constrói-se assim em meio ao pleno
ascenso dos movimentos sociais no Brasil, que naquela época apontavam uma saída
a esquerda e unificada, o hip hop brasileiro, anti-imperialista e questionador
dos grandes capitais nacionais e internacionais.
Na mesma década o rap norte-americano já ganhava
notoriedade nos subúrbios negros impulsionado primeiramente pelos Panteras
Negras , e posteriormente pelos seus herdeiros o Public Enemy que tinham como
propósito organizar grupos de ativistas negros em toda a America, por ter a
clareza, assim como tantos outros grupos de rap, da necessidade de dar voz ao
gueto, de organizar os oprimidos e explorados a resistiram aos ataques
constantes da burguesia local e internacional. Em contrapartida as gravadoras
multinacionais, a grande mídia e o governo norte-americano, no inicio dos anos
90, começam uma articulação para lobotomizar[i] o
hip hop, removendo e destruindo a memória histórica do movimento de resistência
negra, contra o racismo e o imperialismo. Surge, assim, como fruto da
apropriação do capital o rap gângster, a ostentação, que aqui no Brasil
atualmente podemos ver como uma derivação, com o funk ostentação em São Paulo,
que exacerba o ganho de dinheiro, o status
quo.
Já no Brasil nessa mesma época, a grande mídia não
mostrou interesse no rap nacional, que conseguiu se desenvolver nas favelas de
forma independente e massiva. Com isso o rap, o grafite e o break se
desenvolveram em uma expressão da favela que tinham em sua linguagem política
uma força impressionante, difícil de entender pra quem só pensa na lógica do
mercado capitalista, os Racionais MC’s antes mesmo de serem exibido em 1998
pela mídia, já eram conhecidos nas mais longínquas favelas, mas ao mesmo tempo
os movimentos se enfraqueciam e as ONGs começavam a entrar em cena
desarticulando e desviando o ascenso ao mercado burguês. O Hip Hop por seu
turno seguia firme e forte enfrentando e denunciando os mecanismos de repressão
e censura, que mesmo com a dita “redemocratização”, permaneceram intactos nas
periferias. A Grande mídia tentou de todas as formas forjar ícones, como
Gabriel Pensador, para o público do Hip Hop, mas não colou! Os favelados
responderam com a projeção dos Racionais, GOG, Facção Central, Consciência
Humana, Gíria Vermelha e muitos outros.
A virada do século começa com uma mudança no
cenário do hip hop nacional, com a entrada do PT em prefeituras e governos
estratégicos, como São Paulo, Belém, Fortaleza, DF, RS; entre outros, as
organizações começam a atrelar-se ao Estado, essa foi a lobotomia feita no
movimento hip hop brasileiro, pois, depois disso vemos a transformação de
organizações de hip hop em ONGs, perdendo a combatividade revolucionaria,
substituída pela cidadania e inclusão social, porém não foi somente o
atrelamento ao governo que começa a destruição, a mercantilização do hip hop
pela grande mídia foi mais um agente de desarticulação, massificando a cultura
da favela por meio das grandes multinacionais, impondo a cultura do capital a
favela.
Felizmente, existem vários hip hop’s neste país,
pois nem todos se sentem representados naquele boné que parte das lideranças do
Hip Hop nacional, atreladas ao governo, deram de presente para Lula ou na
fictícia Secretaria Nacional da Juventude. Grupos como Facção Central,
Racionais, Gíria Vermelha continuam enfrentando o sistema, articulando o gueto,
mostrando a realidade da juventude negra, explorada e violentada pelo Estado
por meio de sua policia racista.
Neste contexto de violência do Estado, de
exploração e de lobotomia do hip hop, em 2002 é criado no Maranhão o Gíria
Vermelha, com uma filosofia política claramente presente com uma combinação de
luta de classe e raça, negando o sistema “fonográfico burguês”.
O discurso rimado do
grupo aponta para construção de uma alternativa de esquerda, que seja engajada
nas lutas sociais e em defesa da juventude da periferia, musicas como: “Hip Hop
Militante”, “Lutar é Preciso”, “Herói de Preto e Preto” atentam para saídas de
transformação da sociedade mediante luta e organização.
Os temas tratados em suas letras são sínteses dessa visão que ultrapassam
os muros das universidades e as fronteiras das periferias e favelas do Brasil.
É possível encontrar em suas músicas, relatos e análises da vida dura de quem
vive em meio a barbárie da “guerra interna” das periferias brasileiras, como
nas canções “Tão Só” e “Liberdade Sem Fronteiras”, como na marcha
revolucionária da canção “A Hora do Revide” ou no grito de solidariedade ao
povo palestino presente nas canções “Lutar é preciso” e “Coração Destemido”.
O local e o internacional se entrelaçam nas poesias cortantes de suas
letras e nelas o orgulho negro e a denúncia das desigualdades raciais não são
meros apêndices, mas questão de centro como consta na envolvente “Herói de
Preto é Preto”, em fim raça e classe não se sobrepõe, mas se mostram como face
de uma mesma moeda: a do sistema capitalismo.
Neste 20 de novembro negros e negras da classe trabalhadora no Brasil tem muito pouco a comemorar, por isso, inspirado neste hip hop este dia é mais um dia de luta.
Conheça um pouco mais do rap do Gíria Vermelha:
[i] Lobotomizar: praticar lobotomia.
Lobotomia é uma intervenção
cirúrgica no cérebro em que são
selecionadas as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo e outras vias frontais associadas. Foi utilizada no passado
em casos graves de esquizofrenia. A
lobotomia foi uma técnica bárbara da psicocirurgia que não é mais realizada. Foi usada
massivamente em crianças consideradas mal comportadas.
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20 de novembro de 2013