20 de novembro de 2013
CONSCIÊNCIA NEGRA:
ARTE E LUTA NA VOZ DA PERIFERIA

Rafael Scheiner
Estudante Geografia UFF

   O rap e o hip hop originaram-se da Jamaica concomitante com o surgimento dos sistemas de som, que serviam pra animar os bailes nos guetos, contudo, esses mesmos sistemas serviam nos bailes para se denunciar as condições em que se encontravam os guetos, criando um vinculo político na cultura do rap. No Brasil vemos essa vinculação política nascer nas periferias brasileiras na década de 80, com o apodrecimento da estrutura do regime militar e com o nascimento da CUT, do PT e do MST, constrói-se assim em meio ao pleno ascenso dos movimentos sociais no Brasil, que naquela época apontavam uma saída a esquerda e unificada, o hip hop brasileiro, anti-imperialista e questionador dos grandes capitais nacionais e internacionais.
Na mesma década o rap norte-americano já ganhava notoriedade nos subúrbios negros impulsionado primeiramente pelos Panteras Negras , e posteriormente pelos seus herdeiros o Public Enemy que tinham como propósito organizar grupos de ativistas negros em toda a America, por ter a clareza, assim como tantos outros grupos de rap, da necessidade de dar voz ao gueto, de organizar os oprimidos e explorados a resistiram aos ataques constantes da burguesia local e internacional. Em contrapartida as gravadoras multinacionais, a grande mídia e o governo norte-americano, no inicio dos anos 90, começam uma articulação para lobotomizar[i] o hip hop, removendo e destruindo a memória histórica do movimento de resistência negra, contra o racismo e o imperialismo. Surge, assim, como fruto da apropriação do capital o rap gângster, a ostentação, que aqui no Brasil atualmente podemos ver como uma derivação, com o funk ostentação em São Paulo, que exacerba o ganho de dinheiro, o status quo.
Já no Brasil nessa mesma época, a grande mídia não mostrou interesse no rap nacional, que conseguiu se desenvolver nas favelas de forma independente e massiva. Com isso o rap, o grafite e o break se desenvolveram em uma expressão da favela que tinham em sua linguagem política uma força impressionante, difícil de entender pra quem só pensa na lógica do mercado capitalista, os Racionais MC’s antes mesmo de serem exibido em 1998 pela mídia, já eram conhecidos nas mais longínquas favelas, mas ao mesmo tempo os movimentos se enfraqueciam e as ONGs começavam a entrar em cena desarticulando e desviando o ascenso ao mercado burguês. O Hip Hop por seu turno seguia firme e forte enfrentando e denunciando os mecanismos de repressão e censura, que mesmo com a dita “redemocratização”, permaneceram intactos nas periferias. A Grande mídia tentou de todas as formas forjar ícones, como Gabriel Pensador, para o público do Hip Hop, mas não colou! Os favelados responderam com a projeção dos Racionais, GOG, Facção Central, Consciência Humana, Gíria Vermelha e muitos outros.
A virada do século começa com uma mudança no cenário do hip hop nacional, com a entrada do PT em prefeituras e governos estratégicos, como São Paulo, Belém, Fortaleza, DF, RS; entre outros, as organizações começam a atrelar-se ao Estado, essa foi a lobotomia feita no movimento hip hop brasileiro, pois, depois disso vemos a transformação de organizações de hip hop em ONGs, perdendo a combatividade revolucionaria, substituída pela cidadania e inclusão social, porém não foi somente o atrelamento ao governo que começa a destruição, a mercantilização do hip hop pela grande mídia foi mais um agente de desarticulação, massificando a cultura da favela por meio das grandes multinacionais, impondo a cultura do capital a favela.
Felizmente, existem vários hip hop’s neste país, pois nem todos se sentem representados naquele boné que parte das lideranças do Hip Hop nacional, atreladas ao governo, deram de presente para Lula ou na fictícia Secretaria Nacional da Juventude. Grupos como Facção Central, Racionais, Gíria Vermelha continuam enfrentando o sistema, articulando o gueto, mostrando a realidade da juventude negra, explorada e violentada pelo Estado por meio de sua policia racista.
Neste contexto de violência do Estado, de exploração e de lobotomia do hip hop, em 2002 é criado no Maranhão o Gíria Vermelha, com uma filosofia política claramente presente com uma combinação de luta de classe e raça, negando o sistema “fonográfico burguês”.
O discurso rimado do grupo aponta para construção de uma alternativa de esquerda, que seja engajada nas lutas sociais e em defesa da juventude da periferia, musicas como: “Hip Hop Militante”, “Lutar é Preciso”, “Herói de Preto e Preto” atentam para saídas de transformação da sociedade mediante luta e organização.
Os temas tratados em suas letras são sínteses dessa visão que ultrapassam os muros das universidades e as fronteiras das periferias e favelas do Brasil. É possível encontrar em suas músicas, relatos e análises da vida dura de quem vive em meio a barbárie da “guerra interna” das periferias brasileiras, como nas canções “Tão Só” e “Liberdade Sem Fronteiras”, como na marcha revolucionária da canção “A Hora do Revide” ou no grito de solidariedade ao povo palestino presente nas canções “Lutar é preciso” e “Coração Destemido”.
O local e o internacional se entrelaçam nas poesias cortantes de suas letras e nelas o orgulho negro e a denúncia das desigualdades raciais não são meros apêndices, mas questão de centro como consta na envolvente “Herói de Preto é Preto”, em fim raça e classe não se sobrepõe, mas se mostram como face de uma mesma moeda: a do sistema capitalismo.
Neste 20 de novembro negros e negras da classe trabalhadora no Brasil tem muito pouco a comemorar, por isso, inspirado neste hip hop este dia é mais um dia de luta.

Conheça um pouco mais do rap do Gíria Vermelha:



[i] Lobotomizar: praticar lobotomia. Lobotomia é uma intervenção cirúrgica no cérebro em que são selecionadas as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo e outras vias frontais associadas. Foi utilizada no passado em casos graves de esquizofrenia. A lobotomia foi uma técnica bárbara da psicocirurgia que não é mais realizada. Foi usada massivamente em crianças consideradas mal comportadas.
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